domingo, 14 de junho de 2009

A festa de Babette e um pouco de análise


Felipe Araújo de Carvalho

Analise do filme “A festa de Babette” segundo a perspectiva da história e da cultura da alimentação.

No jantar de Babette, ao analisar o silêncio dos convidados e após as suas atitudes, ou de como a comida derruba o fundamentalismo religioso, percebe-se que na realidade, houveram alguns momentos de silêncio durante o jantar de Babette. O primeiro deles foi pactuado entre os convidados, que prometeram não falar nada durante todo o banquete promovido pela francesa. O puritanismo religioso os fez prometer que não iriam fazer quaisquer comentários, e quando o jantar começou a ser servido, esse silêncio durou, porém por pouco tempo e não de maneira constante.
Um segundo silêncio pode ser detectado quando os convidados, ainda na mesa, começam a comer. De igual maneira durou pouco e não foi tão constante, sendo interrompido pelos elogios que os convidados faziam uns aos outros em contraste com as antigas desavenças criadas desde a morte do pastor.
Porém, acredito que a questão em si diga respeito mais especificamente ao silêncio que se seguiu após o banquete de Babette. Os convidados olhavam-se ternamente, de maneira carinhosa, como se nada precisasse ser dito. Estavam na sala de star completamente satisfeitos de corpo e alma; fisicamente e espiritualmente viam-se como um só corpo e uma só voz, o que se concretizou com o ato de darem as mãos e cantarem juntos ao redor do fogo assim que saíram da casa das irmãs castas e belas de outrora.
Um silêncio de um grupo que estava alimentado espiritualmente tal como se houvesses encontrado Deus ou estado diante do teto da capela cistina, pintada por Michelangelo. Um silêncio que foi quebrado pelo adeus dos amantes, com palavras amorosas ditas por um duro general e por músicas que uniam uma aldeia. Naquele momento o pastor morto não fazia falta, pois Babette mostrou outras formas de falar com Deus. Foi muito mais que derrubar um fundamentalismo religioso, pode-se dizer até que foi um resgate da religião que estava perdida.
Aliás, não é de hoje que filmes mostram alimentos quebrando corações de gelo. No filme Ratatouille, uma simples comida camponesa faz amolecer o coração de um frio crítico de restaurantes. Em “Morango e chocolate”, um rústico revolucionário cubano (Antonio Bandeiras) chega a tirar a roupa na casa de um homosexual declarado, após comer morangos com chocolate. Aliás, sonhando com chocolates, Willy Wonka, deixa as amarras dentárias de seu pai e vai em busca do seu doce predileto. No filme brasileiro “Estômago”, um cozinheiro torna-se o homem mais poderoso entre os bandidos de uma prisão porquê sabe cozinhar e até o mais perigoso entre os criminosos rende-se à comida do nordestino em Curitiba. Poderíamos ir mais longe, com filmes como “Tomates Verdes Fritos” e outros tantos mais, porém estes assinalados até aqui são alguns exemplos que ilustram como a comida quebra paradigmas.

A partir da frase “um artista nunca é pobre”, podemos analisar a cozinha como arte. Um artista nunca é pobre porque se alimenta espiritualmente e não fisicamente. Sua riqueza vem do que ele produz, do que ele realiza. Um artista não vê os elementos do dia a dia como simples mortais. Um pintor se alimenta de cores; um poeta se alimenta com palavra; um arquiteto se alimenta de espaço; um músico se alimenta de dor (?); um escritor bebe na própria imaginação; um desenhista come lápis e grafite.
O que satisfaz um artista está longe de ser facilmente compreendido. Para se fazer uma visita surpresa a alguém que vive de arte, é importante passar ao menos em uma panificadora antes. Cotidianamente, a geladeira de um artista é vazia, não havendo em seus ateliês muito mais que cigarros, bagunças e sujeiras... talvez uma coca-cola.
No caso de Babette, sua arte é a cozinha. A codorna é servida em um “sarcófago” comestível e para cada alimento há uma bebida, cada poção no seu devido momento. Da mesma forma que um pintor escolhe as cores, Babette escolhe os temperos. Assim como o desenhista tem suas ferramentas, como réguas e canetas, Babette tem suas panelas, fornos, etc. A dor que inspira um músico pode ser o odor que inspira um bom cozinheiro. Se o arquiteto faz milagres aproveitando e embelezando um espaço, o mesmo faz Babette em cada milímetro de um prato, uma taça ou uma mesa. A composição estética do artista da cozinha é como a de um quadro: precisa de beleza, inspiração e transpiração... uma verdadeira composição artística desde o dom, o processo, até finalizar com a conclusão. Pode-se dizer que é uma arte que alimenta no duplo sentido.

É possível fazer uma reflexão sobre o cinema como fonte para a história e a cultura da alimentação.Diversos são os filmes cujo tema é especificamente a alimentação. Com uma mensagem mais óbvia, são, em si, uma fonte para se compreender a cultura da alimentação na história do homem. Falamos um pouco sobre alguns deles ao responder a primeira questão.
Porém, mesmo filmes que não abordem esse tema de maneira mais detida, também acabam por trazer elementos que nos fazem refletir sobre a alimentação na história.
Há um certo filme sobre Luís XV que se inicia com o banquete ofertado, no qual o cozinheiro chefe é Gerard de Pardieu. “Super Size me” fala da alimentação dos norte-americanos nos dias atuais. Até mesmo películas simplórias, que mostram personagens pedindo café em beiras de estradas ou famílias alimentando-se na hora do almoço, servem como fontes de pesquisa para se entender a cultura da alimentação.
É comum vermos em filmes americanos serem servidos ovos com bacon e leite com sucrilhos; nos filmes que se passam na Europa, os cafés são as atrações, com pratos trazendo pouca comida a custo alto. Outra linha do cinema traz a comida preferida de astros, que geralmente escolhem comida fora do cardápio e nem sempre comem o que pedem.
Enfim, pegando-se toda a filmografia de um país e analisando os pequenos detalhes de como os momentos em que aparecem comidas são abordados, poderíamos ter infinitos elementos para conhecermos a própria cultura daquele país.

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